Lucas José Ramos Lopes*
Direto ao ponto, quais os aspectos fundamentais que municípios, por meio do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (Resolução 113/117 CONANDA) e Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes vítimas ou testemunhas de violência (Lei 13.431/2017 e Decreto 9.603/2018) devem observar para ampliar a prevenção e resposta às violências contra crianças e adolescentes?
Município, conheça seus dados sobre violência!
Durante um diagnóstico municipal, um conselheiro tutelar me contou: – “Aqui os casos de violência contra crianças aumentaram muito. Não sei quantos são, mas a gente percebe um aumento”. Então…. Sr. conselheiro, é indispensável que conheçam os mecanismos de registro como a plataforma Sistema de Informação para a Infância e Adolescência – SIPIA. A ausência de base de dados confiáveis ou a subnotificação das ocorrências prejudicam a análise do contexto local de violação de direitos, inviabilizando a produção de diagnósticos, série histórica das violações por natureza de violência, estratificação dos dados, produção de notas técnicas e elaboração de planos de ação intersetoriais com base em evidências. E, atenção prefeitos(as:) não dá para coletar, tratar e interpretar dados e gerar informações sem um espaço de trabalho adequado para o Conselho Tutelar, veículo e combustível para funções oficiais, internet, computador (não aquele de 2012 resgatado do antigo laboratório de informática da Biblioteca Municipal), capacitação técnica e acompanhamento do Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente, ok? E por falar em produção, sistematização, análise e disseminação de informações territorializadas, o seu município já implementou a Vigilância Socioassistencial?
As consequências imediatas e de longo prazo para a saúde pública e os custos econômicos da violência contra crianças comprometem os investimentos em educação, saúde e bem-estar da criança, e reduzem a capacidade produtiva das gerações futuras.
E sobre o Orçamento da Criança e do Adolescente (OCA), seu município sabe qual montante de recursos públicos destinados à proteção e ao desenvolvimento de crianças e adolescentes? Como é composto e quais as funções e subfunções? O planejamento orçamentário é fundamental para ampliar a proteção e resposta às violências contra crianças e adolescentes. Nesse aspecto, o Pacto pela implementação da Lei nº 13.431/2017, oferece atenção especial à alocação de recursos com foco em prevenir a revitimização de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas das violências e estabelecer o sistema de garantia de direitos, com a determinação de diretrizes concretas para a implementação da escuta especializada e o depoimento especial.
Atenção, município! Precisa de apoio para a implementação da Lei da Escuta Protegida? A Childhood Brasil e o Unicef lançaram um kit completo de comunicação para apoiar profissionais da Assistência Social, Segurança Pública, Educação, Saúde, Sistema de Justiça e Conselhos Tutelares na implementação da Lei 13431/2017. O kit contém oito vídeos, guias de consulta rápida, cartazes com metáforas sobre a importância do trabalho conjunto, fluxos sintéticos de atendimento e cards para o uso em redes sociais e divulgação por Whatsapp. O material está disponível gratuitamente para download em Kit para Rede de Proteção Municipal – Google Drive.
Expansão das ofertas de ações de prevenção e enfrentamento das violências como exemplo de programações culturais, esportivas e de lazer voltadas para a infância e a juventude, bem como oportunidades de emprego para adolescentes e jovens conforme preconiza a lei da aprendizagem
” – Mas nosso município não tem muitos recursos”; “- As secretarias (ou Departamentos) de Educação, Esporte, Cultura, Turismo, Saúde e Assistência Social não se dão bem”; ” – A falta de oportunidade para os jovens é culpa da prefeitura”… Então! Precisamos conversar melhor sobre tudo isso (Legislação Tributária, articulações, planejamento e atendimento interinstitucionais e intersetoriais…), mas, embora com certa complexidade, é fundamental conhecer os múltiplos fatores constituintes do fenômeno violência e entender como a criação e ampliação de oportunidades para crianças, adolescentes e jovens potencializam a prevenção às violências. Como criar oportunidades durante a pandemia de Covid-19? Socialize as práticas promissoras do seu município!
Ações de conscientização e mudança de normas e procedimentos que ajudem a população a previr, conhecer, reconhecer e enfrentar as diferentes formas de violências contra crianças e adolescentes, desnaturalizando comportamentos sociais, crenças e formas de pensar que geram, mascaram e aprofundam os ciclos de violência.
Acesso à informação é uma parcela importante no processo de desconstrução de culturas de violência. A população precisa conhecer e saber como acessar os serviços disponíveis que podem ampliar a proteção das crianças e dos adolescentes, além de apoiar ações de exigibilidade dos serviços previstos no ECA e que ainda não são disponibilizados no município. Importa que a informação esteja disponível de forma acessível, inclusiva e amigável, sobretudo para crianças e adolescentes. É dever de toda sociedade, portanto, cidadãos e cidadãs, agrupamentos sociais como a família (em sentido amplo, diverso e inclusivo), empresas, organizações da sociedade civil, igrejas, associações ideológicas, filosóficas e políticas, Estado e poderes, agirem com prioridade absoluta, cada qual em suas competências, para a proteção integral das crianças e dos adolescentes.
Outros aspectos importam e demandam aprofundamento, como o compromisso dos municípios na identificação, registro, controle e acompanhamentos de todas as crianças e adolescentes que estão fora da escola ou potencialmente em risco de abandoná-la. A inclusão escolar é um fator importante para resposta às violências e um dos grandes desafios no retorno às aulas presenciais. A identificação, atendimento, notificação e acompanhamento das violações de direitos foram profundamente afetadas com as necessárias medidas sanitárias como o distanciamento social e exigem que os atores do SGDCA construam novas alternativas para o cumprimento de suas atribuições na proteção de crianças e adolescentes. Não há uma panaceia, mas já temos dados, avaliações e práticas promissoras que podem orientar tomadas de decisão com base em evidências. Por onde começar? Indubitavelmente posicionando crianças e adolescentes no centro de políticas públicas enquanto sujeitos de direitos e prioridade absoluta.
Afinal, como é ser criança e adolescente no seu município?
*Lucas José Ramos Lopes, cientista social, mestre em direitos humanos e políticas públicas, é consultor em direitos da criança e do adolescente e ponto focal da Coalizão Brasileira pelo fim da violência contra crianças e adolescentes.